Outubro de 1989. Os domingos de manhã começavam complicado para ele. As noites de sábado sempre eram difíceis, pois sempre chegava tarde da boate, elas eram regadas a cerveja barata e a vinho de garrafão, o que dava uma dor de cabeça danada e uma sede terrível, então, acordava em condições lastimáveis.
O que empolgava as manhãs de domingo era o cheiro do almoço que tomava conta da casa, geralmente o perfume do molho de tomate com leve toque de manjericão que fervia junto ao queijo da dona Maria Assunção, vizinha icônica do bairro, portuguesa de origem, que de vez em quando aparecia com um bigode espesso e viscoso de fazer inveja a Charles Bronson. A molecada comentava no bairro e zoava de forma respeitosa, já que o seu coração era gigantesco e sempre estava disposta a ajudar a rapaziada, o molho era caprichado para a macarronada, o frango assado com farofa tostava no forno intrépido e aquela cozinha toda recendia a almoço bom.
Ele passava discretamente pela cozinha com o copo de água na mão e ia para a sala ligar a TV no canal Bandeirantes, era a hora do futebol italiano que era transmitido aos domingos pela manhã, ele gostava de ver Maradona, Careca, Gullit, Van Basten e outros astros do futebol mundial desfilar os seus talentos sob a voz metálica e áspera de Silvio Luiz com os comentários “deliciosos” de Silvio Lancellotti, o chef, que nos momentos “vagos” do jogo trazia algumas receitas da culinária italiana, deixando a rapaziada com água na boca, já que a fome naquele momento contraía o estômago.
Geralmente, no intervalo da partida, sua mãe dava o pronto do almoço. Era a hora de fazer o prato gigantesco de macarrão e frango e ir comer em frente à tv, sempre com o ar de reprovação materno e a frase clássica “se derrubar na sala, vai limpar, tá bom? Aqui não tem empregada”, a cantilena era sempre a mesma, mas não se importava, afinal, as mães sempre têm razão, seja ela qual for.
O que importava mesmo era comer e se divertir com a narração de Silvio Luiz, sua voz ecoava pela sala através da Semp Toshiba de vinte polegadas. Seus bordões, já conhecidos e engraçados, tornavam os jogos, por pior que fossem, bons demais. Silvio, às vezes se perdia nas narrações, só aparecia mesmo na hora do gol, ficava falando de receitas com o Lancellotti, contava casos pitorescos, até piadas apareciam e, de repente, o clássico “...foi..foi...foi ele, o craque da camisa número”....era uma festa.
Entre uma garfada e outra, de repente o Silvio Luiz soltava:
- Você que está sentado confortavelmente na poltrona e comendo aquela macarronada com frango, saiba que agora também estamos morrendo de fome, não é mesmo, Lancellotti?
E ele, sem querer, dava aquela olhada suspeita no prato. Esse era o artifício de Silvio Luiz para dialogar com o telespectador, o mesmo usado por Machado de Assis quando queria colocar o leitor no contexto de suas histórias. Era sensacional, pois o chamava para uma relação muito pessoal e carismática, deixando sua contribuição inestimável para a imprensa esportiva brasileira.
FONTE/CRÉDITOS: Professor Alexandre José Pierini - Uniara
O texto acima expressa a visão de quem o escreveu, não necessariamente a de nosso portal.
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